Todas as bombas desejam explodir
Enviado: Ter Ago 12, 2008 1:16 pm
Matéria de hoje do jornal Bom Dia de Sorocaba, muito boa, espero que apreciem também.
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Arnaldo Jabor
Terça-feira, 12 de agosto de 2008
Todas as bombas desejam explodir
Cumpro hoje a tradição de todo ano escrever sobre Hiroshima e Nagasaki, destruídas há 6 dias atrás, em 1945. Ninguém fala nisso. Os jornais esqueceram. Por isso, todo ano me repito, não para condenar abstratamente um dos maiores crimes da humanidade. Mas para me lembrar e aos que fazem o favor de me ler que o impensável pode acontecer. O horror se aperfeiçoa, se camufla mas não acabará nunca.
Estamos diante do perigo nuclear. Não da Guerra Fria, mas diante de guerras possíveis, táticas, quentes, lá no deserto, com o Paquistão, a Índia, Israel e brevemente o Irã. Sem falar na Coréia do Norte e na inveja letal que o grande progresso da China poderá provocar no Ocidente americano. Vivemos a era inaugurada por Hiroshima: tempo em que a morte, ou melhor, o suicídio da humanidade virou escolha político-militar. Os computadores do Pentágono oscilam na possibilidade estratégica: valerá a pena continuarmos atômicos? Querem sim. Tanto é que estão recauchutando 10 mil bombas “velhas”. Podem destruir o mundo 40 vezes.
Há 63 anos, em Hiroshima, inaugurou–se a “guerra preventina”. Vivemos dois campos de batalha sem chão; de um lado a máquina americana comandada pela lógica de um turbo capitalismo que raspará qualquer obstáculo a seu desejo. Do outro, os homens-bomba multiplicados por mil, também graças à América do Bush.
Enquanto o holocausto dos judeus na Segunda Guerra fecha o século 20, o espetáculo de Hiroshima marca o início da guerra do século 21, com sua resposta invertida na destruição do WTC em 2001. Auschwitz e Treblinkas eram “fornos” da Revolução Industrial, mas Hiroshima inventou a guerra tecnológica, virtual, asséptica. A extinção em massa dos japoneses no furacão de fogo fez em 1 minuto o trabalho de meses e meses do nazismo. Hiroshima e Nagasaki dão inicio à guerra “limpa”, do alto, prefigurando Guerra do Golfo, Afeganistão e Iraque 2.
Na luta pela democracia, rasparam da face da terra os “japorongas”, seres oblíquos que, como dizia Truman em seu diário: “São animais cruéis, obstinados, traidores.” Seres inferiores de olhinho puxado podiam ser fritos como “shitakes”.
Enquanto os burocratas alemães contavam os dentes de ouro e óculos que sobraram nos campos, a bomba agiu como detergente, um mata-baratas.
Ainda hoje é fascinante ver as racionalizações que a América militar inventou para justificar seu crime nuclear. Truman escreveu: “Queria nossos garotos de volta (“our kids”) e ordenei o ataque para acelerar essa volta.”
Diziam que Hitler estava perto de conseguir a bomba, o que é mentira.
A destruição de Hiroshima foi “desnecessária” militarmente. O Japão estava de joelhos, querendo preservar apenas o imperador Hirohito e a monarquia. Uma das razões reais era que o presidente e os falcões da época queriam testar o brinquedo novo: “Uau! É o mais fantástico aparelho de destruição jamais inventado! No teste, fez uma torre de aço de 60 metros virar um sorvete quente!...”
Além disso, os americanos queriam vingar Pearl Harbour, pela surpresa de fogo. Queriam intimidar a União Soviética, pois começava a Guerra Fria além, de exibir para o mundo um show “maravilhoso” de potência, som e luz.
O holocausto sujou o nome da Alemanha, mas Hiroshima soa quase como desastre “natural”. Na época, a bomba explodiu como alívio e a opinião pública celebrou tontamente. Era o início de uma era de prosperidade na América, dos musicais de Hollywood, pois o eixo do mal estava derretido. A época estava morta para palavras, na vala dos detritos humanistas.
A euforia americana avança até 1949, quando a bomba H soviética acaba com a festa, instilando a paranóia nacional que vai crescer muito em 1957, quando sobe o “sputnik” – parecia um 11 de setembro.
O holocausto ainda tinha o desejo sinistro de produzir um “sentido” para a matança, um futuro milênio ariano.
Hoje, não há mais objetivos ideológicos ou “humanos” no comando. No lado Ocidental, quem mandam são as Coisas: a lógica do petróleo, do poder de controle, a paranóia anti-terror manipulada pela política.
Mesmo sem um projeto humano no comando supremo, as bombas desejam explodir. A loucura americana – encarnada pelo embaixador das Coisas, o Bush – está mais exposta. O avião que largou a bomba A em Hiroshima tinha o nome da mãe do piloto na fuselagem – “Enola Gay” – esse gesto de carinho batizou de fogo 150 mil pessoas. Essa foi a mãe de todas as bombas, parindo um feto do demônio que exterminou 40 mil crianças em 15 segundos.
Estamos assim: de um lado, a Coisa. Do outro, Alá. A pulsão de morte e o desejo de mercado se encontraram finalmente. Quem vai controlar?
Fonte:Jornal Bom Dia
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Arnaldo Jabor
Terça-feira, 12 de agosto de 2008
Todas as bombas desejam explodir
Cumpro hoje a tradição de todo ano escrever sobre Hiroshima e Nagasaki, destruídas há 6 dias atrás, em 1945. Ninguém fala nisso. Os jornais esqueceram. Por isso, todo ano me repito, não para condenar abstratamente um dos maiores crimes da humanidade. Mas para me lembrar e aos que fazem o favor de me ler que o impensável pode acontecer. O horror se aperfeiçoa, se camufla mas não acabará nunca.
Estamos diante do perigo nuclear. Não da Guerra Fria, mas diante de guerras possíveis, táticas, quentes, lá no deserto, com o Paquistão, a Índia, Israel e brevemente o Irã. Sem falar na Coréia do Norte e na inveja letal que o grande progresso da China poderá provocar no Ocidente americano. Vivemos a era inaugurada por Hiroshima: tempo em que a morte, ou melhor, o suicídio da humanidade virou escolha político-militar. Os computadores do Pentágono oscilam na possibilidade estratégica: valerá a pena continuarmos atômicos? Querem sim. Tanto é que estão recauchutando 10 mil bombas “velhas”. Podem destruir o mundo 40 vezes.
Há 63 anos, em Hiroshima, inaugurou–se a “guerra preventina”. Vivemos dois campos de batalha sem chão; de um lado a máquina americana comandada pela lógica de um turbo capitalismo que raspará qualquer obstáculo a seu desejo. Do outro, os homens-bomba multiplicados por mil, também graças à América do Bush.
Enquanto o holocausto dos judeus na Segunda Guerra fecha o século 20, o espetáculo de Hiroshima marca o início da guerra do século 21, com sua resposta invertida na destruição do WTC em 2001. Auschwitz e Treblinkas eram “fornos” da Revolução Industrial, mas Hiroshima inventou a guerra tecnológica, virtual, asséptica. A extinção em massa dos japoneses no furacão de fogo fez em 1 minuto o trabalho de meses e meses do nazismo. Hiroshima e Nagasaki dão inicio à guerra “limpa”, do alto, prefigurando Guerra do Golfo, Afeganistão e Iraque 2.
Na luta pela democracia, rasparam da face da terra os “japorongas”, seres oblíquos que, como dizia Truman em seu diário: “São animais cruéis, obstinados, traidores.” Seres inferiores de olhinho puxado podiam ser fritos como “shitakes”.
Enquanto os burocratas alemães contavam os dentes de ouro e óculos que sobraram nos campos, a bomba agiu como detergente, um mata-baratas.
Ainda hoje é fascinante ver as racionalizações que a América militar inventou para justificar seu crime nuclear. Truman escreveu: “Queria nossos garotos de volta (“our kids”) e ordenei o ataque para acelerar essa volta.”
Diziam que Hitler estava perto de conseguir a bomba, o que é mentira.
A destruição de Hiroshima foi “desnecessária” militarmente. O Japão estava de joelhos, querendo preservar apenas o imperador Hirohito e a monarquia. Uma das razões reais era que o presidente e os falcões da época queriam testar o brinquedo novo: “Uau! É o mais fantástico aparelho de destruição jamais inventado! No teste, fez uma torre de aço de 60 metros virar um sorvete quente!...”
Além disso, os americanos queriam vingar Pearl Harbour, pela surpresa de fogo. Queriam intimidar a União Soviética, pois começava a Guerra Fria além, de exibir para o mundo um show “maravilhoso” de potência, som e luz.
O holocausto sujou o nome da Alemanha, mas Hiroshima soa quase como desastre “natural”. Na época, a bomba explodiu como alívio e a opinião pública celebrou tontamente. Era o início de uma era de prosperidade na América, dos musicais de Hollywood, pois o eixo do mal estava derretido. A época estava morta para palavras, na vala dos detritos humanistas.
A euforia americana avança até 1949, quando a bomba H soviética acaba com a festa, instilando a paranóia nacional que vai crescer muito em 1957, quando sobe o “sputnik” – parecia um 11 de setembro.
O holocausto ainda tinha o desejo sinistro de produzir um “sentido” para a matança, um futuro milênio ariano.
Hoje, não há mais objetivos ideológicos ou “humanos” no comando. No lado Ocidental, quem mandam são as Coisas: a lógica do petróleo, do poder de controle, a paranóia anti-terror manipulada pela política.
Mesmo sem um projeto humano no comando supremo, as bombas desejam explodir. A loucura americana – encarnada pelo embaixador das Coisas, o Bush – está mais exposta. O avião que largou a bomba A em Hiroshima tinha o nome da mãe do piloto na fuselagem – “Enola Gay” – esse gesto de carinho batizou de fogo 150 mil pessoas. Essa foi a mãe de todas as bombas, parindo um feto do demônio que exterminou 40 mil crianças em 15 segundos.
Estamos assim: de um lado, a Coisa. Do outro, Alá. A pulsão de morte e o desejo de mercado se encontraram finalmente. Quem vai controlar?
Fonte:Jornal Bom Dia