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As desincorporações

Enviado: Dom Set 05, 2004 8:06 pm
por Mago-Azul
As desincorporações
na Marinha do Brasil
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Acima A retirada de serviço do NAeL Minas Gerais (A11) não representou perda de capacidade operativa para a MB, pois o navio foi substituído pelo NAe São Paulo (A12), maior e mais capaz (Foto: Segurança & Defesa).
A transferência para a reserva, no dia 5 de março de 2004, do contratorpedeiro Pernambuco (D30) e — principalmente — da fragata Dodsworth (F47) causou desconforto em vários setores ligados ao Poder Naval. O presente trabalho entra em alguns detalhes, para que se possa aquilatar devidamente a relevância e as implicações desse fato, permitindo uma visão da real perspectiva.

• Mário Roberto Vaz Carneiro

Conforme mostra a tabela que acompanha esse texto, nos últimos cinco anos (desde 2000, portanto), a Marinha do Brasil deu baixa em 18 navios (um em 2000, oito em 2001, três em 2002, quatro em 2003 e dois em 2004 — até o momento), e colocou mais três em reserva (um em 2002 e dois em 2004, até o presente). Por tipo, os navios que deram baixa foram: um Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC), três Navios Hidrográficos (NHi), quatro Navios Balizadores (NBal), um Submarino (S), um Navio de Transporte de Tropas (NTrT), um Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL), três Corvetas (Cv), um Navio Faroleiro (NF), um Navio Oceanográfico (NOc) e dois Contratorpedeiros (CT). Foram transferidos para a reserva uma Corveta, uma Fragata (F) e um Contratorpedeiro.
A maioria das desincorporações deveu-se à avançada idade dos navios, o que tornava sua operação um penoso exercício e resultava em uma relação custo/benefício nada favorável. Mas há exceções, e o exame de cada caso pode resultar em um melhor entendimento das razões que levaram a alta administração naval a retirar de serviço esses meios.

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A cima Os NTrT Custódio de Mello (G20) e Soares Dutra (G22) — na foto — foram construídos pela Ishikawajima, no Japão, e incorporados à MB respectivamente em 1954 e 1957. O deslocamento carregado era de 7.300t, o comprimento de 119,5m e a boca de 16m. (Foto: MB)

Inicialmente, vamos falar dos navios da Esquadra. O NDCC Duque de Caxias (G26) fora originalmente incorporado à U. S. Navy em 1957, portanto na época em que deu baixa na Marinha do Brasil já tinha 43 anos de idade. Além disso, a MB já contava com um outro NDCC, muito mais novo e capaz, o Mattoso Maia (G28). Mais antigo ainda era o Navio-Transporte de Tropas Custódio de Mello (G20), incorporado à nossa Marinha em 1954; o Soares Dutra (G22) foi incorporado três anos depois. O Submarino Tonelero (S21) afundara quando atracado na Ilha das Cobras, no final de 2000, o que acelerou a sua desativação, que de qualquer forma não tardaria muito. Já a desincorporação do Minas Gerais (A11, incorporado à Royal Navy em 1945), como é de conhecimento geral, deveu-se à aquisição e entrada em serviço do NAe São Paulo (A12), maior e bem mais novo. Sobre os Contratorpedeiros Paraná (D29), Paraíba (D28), Pernambuco (D30) e a Fragata Dodsworth (F47) falaremos mais adiante.
Vamos então aos Navios Hidrográficos, Balizadores, Oceanográfico e Faroleiro. Os NHi Argus (H31) e o Orion (H32) haviam entrado em serviço em 1959, enquanto o NOc Almirante Câmara (H41) — incorporado à U. S. Navy em 1965 e transferido para a MB em 1974 — entrara em serviço originalmente em1965; embora somente em 1982 tenha sido adquirido pelo Brasil (e convertido em navio de suporte a operações na Antártica), o NF Barão de Teffé (H42) já operava no estrangeiro desde 1957. Quanto aos Navios Balizadores (H13 Mestre João dos Santos, H24 Castelhanos, H27 Faroleiro Arêas e H30 Faroleiro Nascimento), que a Marinha operava desde 1952, 1958, 1954 e 1957, respectivamente, tratavam-se de embarcações bastante pequenas, e portanto não têm a importância dos outros navios em questão.


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Acima Os CTs Paraná (D29), Paraíba (D28) e Pernambuco (D30), originalmente classificados como Fragatas na U. S. Navy, foram transferidos para o Brasil em 1989. Deslocavam 3.560t quando carregados, tinham comprimento de 126,3m e boca de 13,5m(Foto: Segurança & Defesa).

Quanto aos meios distritais, pode-se dizer que a baixa das corvetas Bahiana (V21), Solimões (V24)e Angostura (V20), e a colocação em reserva da Purus (V23), já era de se esperar. Esses navios eram excelentes, e embora classificados como Corvetas eram na realidade Rebocadores de Alto Mar, podendo também ser usados para patrulha oceânica ou fluvial. Os efeitos de seu intenso emprego ao longo de muitos anos (haviam sido incorporados à Marinha do Brasil em 1955) já se faziam sentir, e é de se esperar as duas unidades remanescentes desta classe — Imperial Marinheiro (V15) e Cabocla (V19) — venham a ser retiradas de serviço num futuro não muito distante.
Até aqui, portanto, nada há de anormal, pois a idade média dos navios em questão (mesmo desconsiderando-se os pequeninos Balizadores) é de aproximadamente 44 anos. Além disso, as retiradas do Duque de Caxias e do Tonelero praticamente não resultaram em grande perda de capacidade operativa, e no caso do Minas Gerais houve até um aumento dessa capacidade, pois o navio foi substituído pelo São Paulo. O que chama a atenção é a desincorporação de quatro navios de escolta num período extremamente curto, sem substitutos à vista. A baixa definitiva dos Contratorpedeiros Paraná e Paraíba e a colocação em reserva do CT Pernambuco e da Fragata Dodsworth significa que o total de navios de escolta da MB caiu de 18 para 14, uma redução de 22% — e isso num espaço de apenas três meses!
Os três contratorpedeiros eram da classe “Garcia”, e foram transferidos para o Brasil em 1989, provenientes dos Estados Unidos. Ao serem desincorporados, os três CTs tinham idades de, respectivamente, 35, 38 e 39 anos (média de 37 anos) — sete anos abaixo da média mencionada anteriormente, mas com apenas mais alguns anos de vida útil pela frente. Embora tivessem um bom sonar (SQS-26), o trato com suas máquinas não era tão simples, pois a operação de caldeiras de alta pressão incorpora alguns aspectos complicados. A manutenção do Pernambuco em reserva e do Pará em serviço ativo só será possível através da obtenção de equipamentos e peças de reposição oriundas dos dois navios que deram baixa. Realisticamente falando, tudo indica que será muito difícil ao Pernambuco voltar à ativa e ao Pará evitar a desincorporação.

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Acima A colocação da Dodsworth (F47) na reserva preocupou os meios navais (Foto: Segurança & Defesa).

Mas foi a colocação da Dodsworth na reserva que fez acender a luz amarela em muitos ambientes ligados à defesa nacional e causou justificado descontentamento na Marinha. Juntamente com suas três irmãs (F46 Greenhalgh, F48 Bosísio e F49 Rademaker), essa fragata foi adquirida ao Reino Unido em meados da década de 90. Originalmente incorporada à Royal Navy em 1980 como HMS Battleaxe e incorporada à MB em 1997, a Dodsworth tinha apenas 24 anos de idade, dos quais sete no Brasil. Sua baixa, portanto, não ocorreu por idade, nem por algum problema técnico específico de manutenção ou operação de algum de seus sistemas, ou por dificuldade de obtenção de sobressalentes. O que teria então levado a Marinha do Brasil optar por retirá-la do serviço ativo? A resposta é tão simples quanto triste: falta de recursos financeiros.

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Acima A Bahiana (V21), a Solimões (V24) — vista na foto —, a Angostura (V20) e a Purus (V23) faziam parte do lote de dez Rebocadores (classificados na MB como Corvetas) da classe “Imperial Marinheiro”, construídas na Holanda e incorporadas em 1954-1955. Com 56m de comprimento e 9,3m de boca, tinham deslocamento standard de 911t (Foto: MB)

Seria possível argumentar, por exemplo, que alguns dos navios que deram baixa poderiam ser submetidos a modernizações e continuar em serviço, como aconteceu há alguns anos com o Monitor Parnaíba (U17), o navio mais antigo ainda em atividade na Marinha do Brasil. Entretanto, não há dinheiro para isso. Segundo a própria Marinha, “a degradação dos sistemas e equipamentos de um navio, pela falta de recursos orçamentários destinados à sua manutenção, é o principal motivo de sua baixa ou transferência para a reserva”. Em outras palavras: a Marinha identifica que determinado navio está apresentando uma relação custo/benefício desfavorável e, verificando que não há recursos para sua modernização ou substituição, o desincorpora ou o transfere para a reserva. No segundo caso, a Marinha determina a configuração mínima necessária para mantê-lo na reserva, e toma as providências necessárias para que: a) o navio seja colocado em vida vegetativa ao menor custo possível; b) sejam mantidas pelo menos condições mínimas de segurança para o material e o pessoal; c) sejam proporcionadas ao navio condições de reativação, no menor prazo, à máxima prontidão operativa possível. Após a priorização dos parâmetros e identificação dos custos dos vários graus de desativação possíveis, forma-se um grupo de manutenção e vigilância e são elaborados os Planos de Preservação e de Reativação.

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A cima A desincorporação do Submarino Tonelero (S21) era só uma questão de tempo, mas o processo foi acelerado pelo acidente que resultou no seu afundamento no final de 2000 (Foto: MB).

Feito isso, passa-se à implementação das medidas necessárias, como redução da tripulação, retirada de armamento, munição, combustível, equipamentos, gêneros, documentos, etc. A partir daí, com o navio já não mais na ativa, procede-se a contínua manutenção da estrutura, equipamentos e sistemas de bordo pelo grupo de manutenção e vigilância, seguindo o Plano anteriormente mencionado. Ao longo desse estágio define-se a baixa definitiva ou a reincorporação do meio.
Caso se decida pela segunda opção, é formado um grupo de reativação, a partir do grupo de manutenção e vigilância. Executa-se o Plano de Reativação e o navio passa por um período de manutenção especial. Quando o navio estiver pronto a operar e combater, haverá uma Mostra de Armamento.
Nesse “período de manutenção especial” todos os equipamentos e sistemas embarcados devem ser reativados e colocados em perfeitas condições de funcionamento e emprego. Ora, não é preciso ser um grande especialista para imaginar que o custo envolvido nesse trabalho, e no treinamento de sua nova tripulação, não é desprezível — muito pelo contrário. Por isso, embora a rigor a transferência para a reserva seja uma “baixa temporária”, todos sabemos que — a perdurar a penúria orçamentária em que vivem as nossas Forças Armadas — a possibilidade de um navio como a Dodsworth voltar à ativa é, lamentamos admitir, bem pequena.
A gravidade do fato é ainda maior quando se verifica que isso ocorreu exatamente quando o Brasil se preparava para enviar ao Haiti, em julho, um contingente de 948 militares do Exército, um da Aeronáutica e 251 Fuzileiros Navais, como parte de uma força de paz das Nações Unidas. O grupo-tarefa incluiria a Fragata Rademaker (F49), o Navio de Desembarque-Doca Ceará (G30), Navio-Tanque Gastão Motta (G23) e o Navio de Desembarque de Carros de Combate Mattoso Maia (G28).
O paradoxo é evidente. Por um lado o Brasil se prepara para apoiar sua pretensão de conseguir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas através da participação numa operação de manutenção de paz patrocinada pela ONU — missão para o cumprimento da qual é indispensável o Poder Naval. Por outro lado, simultaneamente enfraquece esse mesmo Poder Naval.
À nossa volta, o que vemos? É verdade que o continente está em paz, sendo raras as disputas entre países, e as poucas existentes não envolvem diretamente o Brasil. Mesmo assim, o Chile está em processo de incorporação de dois moderníssimos submarinos e adquiriu cinco fragatas (duas “L” e duas “M” à Holanda, e uma “Type 22” ao Reino Unido); o Peru acabou de comprar à Itália duas fragatas de segunda mão da classe “Lupo”; a Argentina incorporou uma corveta da classe “Meko 140” e ultima a aquisição de um Navio de Desembarque-Doca. Enquanto isso, a Marinha do Brasil tem que desativar uma importante unidade naval, que incorporou há relativamente pouco tempo. Ao que se saiba, Chile, Peru e a Argentina não estão nadando em recursos financeiros — principalmente essa última, cuja economia gradativamente se recupera da profunda e recente crise. Mesmo assim, tratam de reforçar seus respectivos Poderes Navais, sinal de que os governos envolvidos têm a percepção de que esse reforço vem ao encontro dos interesses nacionais. E o governo brasileiro, o que tem a dizer?



Uma opinião

O que está errado com a política dos sucessivos governos brasileiros em relação à Defesa Nacional? A pergunta aí está e merece reflexão. Racionalmente, é lógico que não se está pleiteando o desvio de recursos de outros setores importantes — saúde, educação, seguridade social, etc. — para aplicação desenfreada em programas militares, nem o que se quer são Forças Armadas capazes de se nivelar às das maiores potências. Isso não seria razoável, justo ou mesmo necessário. Mas, se o Brasil deseja manter os objetivos anunciados para sua política externa, deverá haver por parte do governo algum tipo de “enxugamento” em algumas áreas, permitindo a reorientação de pelo menos alguns recursos adicionais para as Forças Armadas, de forma que elas possam manter um mínimo de credibilidade. Sim, pois embora o foco do artigo acima seja a Marinha, esse “início de desmonte” se observa também nas Forças Terrestre e Aérea.
Estranhamente, ao mesmo tempo em que uma das Forças é forçada a desativar um de seus meios por falta de recursos financeiros para mantê-lo na ativa, o governo fala num aumento no total de recrutas (mais 50.000 em cada leva). A idéia pode parecer atraente, e o objetivo — afastar os jovens da criminalidade — indubitavelmente é nobre. Mas a medida em nada acrescenta ao poder combativo das Forças Armadas. Pelo contrário, pode até diminuí-lo. O perigo de se dar demasiada ênfase a atividades subsidiárias não pode ser ignorado. A exagerada preocupação em que esses jovens recebam instrução profissionalizante durante seu período de serviço militar pode trazer o risco de que as Forças Armadas sejam vistas como um “SENAI fardado”, com sérios danos ao moral, principalmente em nível dos oficiais mais jovens, até a faixa de Major/Capitão-de-Fragata/Major-Aviador.
A longo prazo, a excessiva concentração em tarefas subsidiárias, em detrimento da atividade-fim, pode acabar levando as Forças Armadas de um país ao chamado “desemprego institucional”. E mais: o advento dessa triste condição pode ser consideravelmente acelerado pela crescente escassez de verbas para a defesa, que — tornando impossível a manutenção dos meios no devido nível de prontificação do material e de treinamento do elemento humano — culmina com a destruição total da credibilidade das Forças Armadas.
Até que ponto o cenário atual está afetando a capacitação e o aprestamento das Forças Armadas está aberto à discussão. Ao risco de sermos repetitivos, vamos mais uma vez frisar que a Defesa Nacional é responsabilidade da sociedade como um todo. Nenhum país do mundo chegou a ser uma potência — mesmo regional — sem Forças Armadas compatíveis com esse “status”. A grande questão, portanto, é bem mais abrangente do que a desativação de um navio, a canibalização de alguns aviões ou a imobilização de uma quantidade de veículos. O país já estabeleceu seus objetivos em nível internacional e está disposto a implementar as providências necessárias para atingí-lo? Ou quer continuar sendo o eterno “país do futuro”?

O Editor

Enviado: Seg Set 06, 2004 5:59 pm
por ReiserFS
sabe nadar não eh? ehauehauea foda isso....

Enviado: Qua Set 08, 2004 12:46 am
por malsapao
Tem que ler tudo isso para entender?????? Então ( já que não vou ler) concordo com vocês.