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A necessidade de sentir medo

Enviado: Sex Jul 21, 2006 4:39 pm
por Lobo_Fenris
A necessidade de sentir medo
Sempre fomos o país do tudo bem, tudo legal. Beleza. Tudo em cima. Nós nos acostumamos há tempos a desfrutar da nossa própria capacidade de trivialmente nos divertirmos, compartilhar alegrias, festejar a vida, enfim.

Nós, claro, os incluídos.

Você que tem computador para ler isso aqui, ou ao menos dispõe do acesso a uma máquina. Basicamente você que lê, porque ler, buscar a leitura, querer buscar a leitura, poder buscar a leitura é um privilégio de poucos neste país cosmopolitanamente jeca.

Uns três anos atrás, o escritor Ferréz, ícone letrado do Capão Redondo, região barra pesada de São Paulo, me disse que os jovens do pedaço passavam o dia inteiro perambulando por lá, pelas quebradas, barrocas, esquinas, biroscas e bocas, porque simplesmente não tinham absolutamente nada para fazer. Nada. Sem uma casa decente, sem emprego, sem dinheiro nem sequer para pagar uma passagem de ônibus, muitos deles, não apenas do Capão, mas de muitas outras periferias desvalidadas dessa metrópole excludente, nunca tinham ido ao centro da cidade.

Agora eles têm saído de lá, sim, e basta ler a manchete dos jornais para perceber que o que os bandidos minimamente organizados têm feito com aqueles que não têm nada a perder. Tacar fogo no ônibus cuja passagem eles não tem dinheiro para pagar é o mínimo que, nessa lógica cruel, poderia acontecer.

Ontem ouvi no rádio algum especialista falando que um monte por cento da população carcerária de São Paulo não terminou o primeiro grau. Duas conclusões possíveis, dependendo do ponto de vista de quem analisa: 1) além de bandido é analfabeto. 2) Se não fosse analfabeto teria alguma chance de não ser bandido.

Mas a maioria das pessoas comuns desta cidade, não todas, mas aquelas com quem falo, que lêem o que está escrito em computadores, tem medo. Medo "deles", como se eles não fossem também nós.

Resultado de nossa inépcia como Estado, como governo, como povo, que isola, exclui, esconde, marginaliza e depois chama de marginal.

Como se não tivesse nada a ver com isso.

Esse medo todo é obviamente a falta de coragem de encarar nosso fracasso e não ficar por aí botando a culpa em quem também tem.

Cada um que assuma a sua, isso já é um bom começo.

Texto de Luiz Caversan, colunista da folha de São Paulo.

Enviado: Sex Jul 21, 2006 5:08 pm
por SamWave
É... e depois ainda vão lá...e se esta faltando dinheiro, tira da educação e da saúde.....

Não sei como vai ficar nosso pais no fururo...

Enviado: Sex Jul 21, 2006 6:37 pm
por D4rK_S0uL
Pior que é verdade...agora aproveitando o tópico do Lobo...


Wednesday, June 07, 2006

Estamos todos no inferno (Arnaldo Jabor)

Jabôr -Você é do PCC?

Marcola -Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível... Vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O Governo Federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...

Jabôr -Mas ... a solução seria...

Marcola -Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de "solução" já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Solução como? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma tirania esclarecida, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do Judiciário que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do País, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios...) E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do País. Ou seja: é impossível. Não há solução.

Jabôr -Você não tem medo de morrer?

Marcola -Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem me entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá fora... Nós somos homens-bomba. Na favela tem 100 mil homens-bomba... Estamos no centro do insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.
Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em seja marginal ou seja herói? Pois é: chegamos, somos nós! Ah ah... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?
Eu sou inteligente, Eu leio, li 3000 livros e leio Dante... Mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse País. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça?" Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

Jabôr -O que mudou nas periferias?

Marcola -Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira Mar não manda? Com US$40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?
Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no microondas... Ah ah... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes.
Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo.
Nós somos bem armados. Vocês vão de três oitão. Nós estamos no ataque. Vocês na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade.
Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados.
Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora; somos globais. Nós não esquecemos de vocês; são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

Jabôr -Mas o que devemos fazer?

Marcola -Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidente do Paraguai nas paradas de cocaína e armas
Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O País está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de vinte por cento ao ano e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40.000 picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, Sobre a guerra. Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingersaí... Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também umazinha, daquelas bombas sujas mesmo... Já pensou? Ipanema radioativa?

Jabôr -Mas... não haveria solução?

Marcola -Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a normalidade. Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência.
Mas vou ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela.
Olha aqui, mano, não há solução. Sabe por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema.
Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogna speranza voi che entrate!" Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.

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Impressionante não?!

Enviado: Sáb Jul 22, 2006 4:11 pm
por O_Coisa
:shock: :shock:

O cara é culto pra cara***!!!! Olhando pelo ponto de vista dele, até tem razão em dizer do governo, mas não acho que já estamos no insolúvel!

Enviado: Dom Jul 23, 2006 2:51 am
por -=KM=-zero
O_Coisa escreveu::shock: :shock:

O cara é culto pra cara***!!!! Olhando pelo ponto de vista dele, até tem razão em dizer do governo, mas não acho que já estamos no insolúvel!
nós vamos viver sempre no "meio termo" nunca vai existir paz plena, mas também não vai acabar a luta contra a violência e o mal...

Enviado: Dom Jul 23, 2006 12:40 pm
por Freeman
-=KM=-zero escreveu:
O_Coisa escreveu::shock: :shock:

O cara é culto pra cara***!!!! Olhando pelo ponto de vista dele, até tem razão em dizer do governo, mas não acho que já estamos no insolúvel!
nós vamos viver sempre no "meio termo" nunca vai existir paz plena, mas também não vai acabar a luta contra a violência e o mal...
Pela minha opiniao e religiao penso que o mundo é formado de eras, como a dos dinossauros, incas, maias e essa nossa era já esta no fim. Tambem não é pra menos, a maioria dos homens só pensa em se dar bem, em ficar milionario.
Por isso que essa era vai acabar e a proxima será mais feliz, Deus é tão perfeito que nenhum ser foge do seu controle, todos estao fadados ao acerto ou seja, todos nós seremos pessoas boas um dia, não importando o quanto o homen tente lutar contra.

:)